Um dos maiores eventos do varejo do país, o Latam Retail Show, que acontece no Expo Center Norte, em São Paulo, será palco hoje, às 14h, de um manifesto sobre um tema que tem tirado o sono dos varejistas: o avanço das plataformas de apostas on-line, as chamadas bets, no país.
Pouco mais de 20 entidades ligadas ao varejo brasileiro assinam o documento para se posicionar em relação ao assunto, e também pedir ações do governo para frear a epidemia das apostas, que têm atraído o dinheiro das famílias antes usado para pagar as contas do mês.
IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo), CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas), ABVTEX (Associação Brasileira do Varejo Têxtil) e ABF (Associação Brasileira de Franchising) são algumas das entidades que endossam o movimento para o freio das Bets.
“As apostas on-line já têm impacto na saúde mental das pessoas, no consumo e no endividamento das famílias. Vamos propor e solicitar ações para inibir a epidemia das bets”, afirma Marcos Gouvêa de Souza, fundador e diretor-geral da Gouvêa de Souza, que realiza neste ano a 9ª edição da Latam Retail Show.
O manifesto será lido pela mestra de cerimônias do evento, Fabiana Panachão, para não expor individualmente uma entidade. Em seguida, o documento será divulgado por todas elas.
Jorge Gonçalves Filho, presidente do IDV, afirma que a ideia do manifesto surgiu por pelo menos três preocupações do empresariado que envolvem as bets.
A primeira delas está relacionada com a epidemia das plataformas de apostas on-line Brasil. Basta dar um google com as palavras ‘casas de apostas’, que surgem dezenas de nomes convidando pessoas a jogar com as mais diferentes promessas de ganhos.
“As apostas estão num movimento crescente de forma pouco controlada e é bom que tenha um freio, já que transcende as questões relacionadas ao varejo”, afirma o presidente do IDV.
O segundo ponto que preocupa as entidades do varejo, diz, são as consequências em relação à saúde mental e à sociabilidade das pessoas. “Na verdade, é preciso ter um esforço para não entrar no mundo das apostas, que estão se transformando em vício”, diz.
Em terceiro lugar tem a questão do impacto na renda das pessoas, quando os gastos com as bets já comprometem até parte do orçamento familiar.
“Sem autocontrole, a pessoa começa a se endividar no cartão de crédito, começa a pedir dinheiro para parentes, tornando-se uma situação incontrolável”, diz.
Uma pesquisa on-line com pouco mais de 2,3 mil pessoas, realizada de 23 a 29 de agosto pela Varejo 360, por meio de seu aplicativo, revelou o impacto das apostas no orçamento.
27% informaram que as bets atingiram os gastos essenciais, como compras em supermercados e pagamento de aluguel, condomínio, contas de água, energia e telefone.
35% dos apostadores declararam que as apostas afetaram os gastos não essenciais, como a aquisição de roupas, calçados, eletrodomésticos e idas a restaurantes e espaços de lazer.
“As bets estão se tornando mais nocivas do que as plataformas chinesas, pois estão tirando vendas de todos os setores do varejo e até de bares e restaurantes”, diz Marcos Hirai, sócio-fundador do NDEV (Núcleo de Desenvolvimento de Expansões Varejistas).
Quando uma pessoa está sem dinheiro, geralmente, ela deixa de comprar. “No caso das plataformas de apostas, mesmo sem dinheiro, a pessoa não consegue parar gastar. É uma chaga das mais graves que o país vive porque vicia”, afirma.
SEM MÁGICA
Pesquisa feita pelo Instituto Locomotiva mostrou que cerca da metade do dinheiro de apostadores que costumava ir para a poupança e bares e restaurantes está indo para apostas.
O instituto também identificou que 63% dos brasileiros que fazem apostas on-line já têm parte da renda comprometida com apostas, e que 67% conhecem pessoas que estão viciadas.
“O brasileiro tem a tendência de querer resolver magicamente o seu problema financeiro, o que faz com que depositem nas bets a esperança de obter um dinheiro. A percepção geral é que este movimento tem contribuído para aumentar o endividamento das famílias, reduzindo a capacidade consumo”, diz Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da Gouvêa Malls.
Estudo do Banco Itaú calcula gastos da ordem de R$ 68 bilhões com bets e outros sites de jogos e apostas on-line no período de julho de 2023 a junho deste ano. Os saques foram de R$ 44,3 bilhões, o que significa que as perdas com os jogos foram de R$ 23,9 bilhões.
Para frear o avanço e as consequências das apostas on-line, identificadas por diversas pesquisas de empresas e cálculos realizados por bancos, o IDV tem algumas sugestões.
Uma delas seria limitar a influência de propagandas e anúncios de aplicativos e sites, já que quase 70% dos apostadores já afirmaram que as propagandas os levaram até as bets.
Outra sugestão seria a criação de alertas e instrumentos de contenção financeira. O foco seria impedir o endividamento de apostadores por meio de campanhas de conscientização, e regras para barrar o uso de cartões de credito, empréstimos ou outras formas de financiamento.
O IDV também indica ações e campanhas nos meios de comunicação sobre os riscos de dependência que causam as bets, equiparando as plataformas de apostas on-line ao tabagismo e ao alcoolismo, reforçando ainda que o tema já é uma questão de saúde pública. Algumas dessas sugestões para brecar o avanço das bets no Brasil deverão estar expostas no manifesto divulgado hoje.
CONFIRA O MANIFESTO NA ÍNTEGRA
As entidades nacionais que assinam este manifesto representam os mais importantes setores ligados ao consumo, comércio e varejo do Brasil, os maiores empregadores privados do país. E não podem se omitir ante o crescimento dos jogos e de tudo que está relacionado aos seus mecanismos conhecidos como 'Bets' ou jogos de apostas eletrônicas.
Eis os principais pontos para reflexão e ação:
1. Essas modalidades de jogos estão crescendo seu faturamento de forma exponencial, atraindo recursos da população dos mais diversos segmentos e faixas etárias, mas de forma mais marcante nas classes mais baixas e de menor idade, redirecionando renda destinada ao consumo pessoal, inclusive de alimentos;
2. Esse crescimento também tem atraído recursos direcionados pelos programas Bolsa Família/Auxílio Brasil para as famílias mais carentes e, originalmente, destinados às condições mínimas de sustentação familiar;
3. O crescimento exponencial dos jogos e apostas traz consequências sérias para famílias e indivíduos pelo componente viciante, criando transtornos mentais e físicos e gerando problemas psicossociais que vão sobrecarregar o já sobrecarregado sistema público de saúde;
4. O crescimento descontrolado das 'bets' gera vício e amplia o vínculo com jogos de azar, gerando comportamento compulsivo - em especial entre os mais jovens e vulneráveis emocionalmente, e com graves implicações psicológicas pelo aumento do endividamento para os apostadores e suas famílias;
5. O cenário atual já mostra a deterioração das relações pessoais e emocionais, com empregadores públicos e privados tendo que atuar para dar apoio ao crescente número de casos crônicos que afetam o desempenho profissional, e num processo em visível escalada.
Por essas e outras razões, as entidades signatárias se integram e passam a atuar de forma conjunta para:
a. Promover uma maior e mais ampla sensibilização sobre o potencial de problemas sociais que advirão dessa expansão;
b. Regulamentar a comunicação publicitária, patrocínios e outras modalidades convencionais ou digitais de estímulo às apostas;
c. Impedir de forma imediata o uso do cartão de crédito para pagamento das apostas, o que só ocorreria em 2025 pela legislação aprovada;
d. Impor responsabilidade às empresas de apostas para que se tornem corresponsáveis por tratamentos envolvendo saúde mental e causados pelo vício com jogos nessas modalidades;
e. Rever a tributação prevista na lei 14.790/2023, de modo que ela seja mais gravosa na operação de apostas on-line, tanto para a empresa de apostas quanto para o apostador.
Existem circunstâncias em que é preciso ir contra a correnteza representada pelo amplo engajamento em prol das apostas eletrônicas, para levar em conta o que é mais importante, saudável e responsável em prol da nação.
Confira as associações participantes: Associação Brasileira de Franchising (ABF), Associação Brasileira da Indústria de Equipamentos e Serviços para o Varejo (ABIESV), Associação Brasileira das Indústrias Ópticas (ABIÓPTICA), Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT), Associação Brasileira de Marcas Próprias e Terceirização (ABMAPRO), Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (ABRASEL), Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX), Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas (ABEVD), Associação Brasileira de Tecnologia para o Comércio e Serviços (AFRAC), Associação Nacional de Restaurantes (ANR), Associação Brasileira de Strip Malls (ABMALLS), Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV) e Instituto Foodservice Brasil (IFB).
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